Quando vi o desfile de Valentino hoje de manhã recordei todo o turbilhão de emoções quando em criança mergulhava no mundo imaginário, não das histórias infantis de cinderelas e gatas borralheiras, mas, dos modelos da Vogue Paris que surripiava à patroa da minha avó Maria. Vislumbrei num único desfile as minhas razões porque amo a moda desde então. Amor, fé... reconciliação com o mundo. As coisas não são belas por acaso. Obrigado Maria Grazia Chiuri e Pierpaolo Piccioli.
Wednesday, March 11, 2015
English Rose - Paul Weller
Uma rosa antiga, cor de beijo, nasceu no meu jardim
Hoje.
Pela primeira vez vi o mundo da perspetiva da velha rosa:
Q.b. de sabedoria,
Coração sem ossos,...
Mente sem espinhas.
Veio o vento e fiquei só
A rosa pálida desfeita nas entrelinhas.
(paula lamares março/2015)
Hoje.
Pela primeira vez vi o mundo da perspetiva da velha rosa:
Q.b. de sabedoria,
Coração sem ossos,...
Mente sem espinhas.
Veio o vento e fiquei só
A rosa pálida desfeita nas entrelinhas.
(paula lamares março/2015)
Friday, March 6, 2015
Wednesday, February 25, 2015
NONSENSE!
Um dia vou para o
jardim, ponho uma alface na cabeça e finjo que sou uma cenoura”
Filipa
Sampaio
Hoje é o dia…
Em que me enfio nos sapatos de alguém e deixo
de fingir.
Em que me pico nas estrelas e
apanho uma overdose.
O tempo é agora.
De conduzir as pernas para fora
daqui. O volante é o coração. O vento é o caminho.
As asas são construídas à medida
do declive da descida. Subir, sobe-se só com a vontade de voar.
O que temos são momentos.
Ser um outsider a olhar o
absoluto.
Gosto do amor eterno que dura
dois segundos: Um segundo de paixão e outro de obsessão. Fim.
Gosto de histórias simples,
Que acabam antes do drama do
drama.
Principio, emoção, fim.
Senso comum é o princípio do fim
do amor.
Estalar o verniz com as unhas
nuas de preconceitos.
Mentes que julgam são mentes que
mentem com os dentes todos.
A vida devia ser…
Uma celebração.
Por estarmos vivos.
Uma viagem com curvas e retas.
Nunca com círculos e quadrados.
A morte é apenas uma vírgula.
O ponto final é quando te
esqueces
De que só temos o momento.
O pêndulo da mente entre o errado
e o certo
Essa é que é a água tónica do
acento.
Paula Lamares
Fev/2015
Monday, February 16, 2015
NEW YORK FASHION WEEK FALL/WINTER 2015: JASON WU
Sabiam que a semana da moda de Nova Iorque surgiu em 1943, quando por causa da 2ª Guerra Mundial, os jornalistas foram impedidos de ver pessoalmente as coleções em Paris?
Entretanto, a Semana da Moda de Nova Iorque prossegue a todo o gás. O style.com está sempre ligado em F5 para refresh a todo o momento. Esta é a minha forma de seguir à distância o que se passar na Maçã dia e noite.
Para já o que se destaca é um pouco a continuação das tendências das últimas estações, com enfâse no look total preto. Acho mesmo que o negro em todas as suas sombras está a fazer um grande retorno a para das cores suaves de blush e sorvete. As rendas, transparências, as sedas e a sua antítese os pelos, fazendas, alfaiataria continuam a pontuar o guarda-roupa de inverno.
Destaque para Jason Wu não pelas novidades que não são por aí além mas pela nova forma de conjugar e usar o conhecido. As estolas estão em alta depois da Prada as ter colocado na categoria de novo velho objeto de desejo feminino. Acho, aliás, que a feminilidade é mesmo o ponto forte/chave do futuro próximo.
Até já!
Friday, February 13, 2015
INSPIRATION: FRIDAY, 13TH AND OTHER STORIES
Sexta-feira, 13 e outras não-estórias.
Por vezes apetece-me farejar as raízes, mais para esquentar
a memória do que para passar o testemunho. Então vou lá atrás ter com a minha
avó Maria Antónia a quem devo muito do que sou e a ternura inteira que tenho
sobre o mundo. Lembro, por exemplo, o temor de minhas tias ante o meu vício
pela leitura. Desde os cinco anos devorava tudo o que apanhava, desde a “Crónica
Feminina” da minha mãe, ao “Diário Popular” do meu pai e todos os livros que
conseguia emprestados das mais diversas fontes disponíveis, incluindo o sótão da
minha vizinha Francisca que tinha duas filhas já crescidas. Ficavam preocupadíssimas,
as tias, quando me viam passar os dias a juntar letras e quando comecei a
escrever, o receio fundado de que me tornasse um bicho estranho era motivo de
troca de olhares aflitos. A minha avó ria-se e tratava-me como uma pequena
futura escritora, mas, atenta à realidade aconselhava-me “ As letras não dão de
comer a não ser as da massa na canja. Tens que estudar para ser professora.”
Esclareça-se que ser professora, na cabeça da minha avó analfabeta, era o topo
do estatuto a que uma mulher podia ascender. Grandes esperanças, portanto, como
diria Charles Dickens, por quem tive uma pancada aos dez anos de idade.
Cresci, assim, com este vício que sempre se sobrepôs a tudo
o resto. Apesar de ter encetado outros caminhos muito distantes das letras e
dos romances que me faziam suspirar por drama e finais felizes. Evitei, assim,
grandes escândalos para a família e nunca me tornei uma daquelas escritoras
neuróticas e bipolares, génios incompreendidos sempre à beira do suicídio e do
isolamento em “campânulas de vidro”. Em vez disso, portei-me bem durante uns
tempos depois, cansei-me e fui viver.
Nunca deixei que a vida esperasse por mim. Sempre me meteu
impressão aquelas vidas poisadas numa esquina qualquer, a fazerem de menina
grande e triste, dispostas a vender o seu último sorriso a quem der mais. A
vida tem que ser algo nobre e humilde, ladeada de solavancos e imprevistos,
honesta como carro velho que orgulhoso sobe a colina iludindo a ferrugem. Sempre
me afastei dos momentos em que nunca é o momento, se o que temos é o momento em
que a dor se sente, a alegria irrompe, o prazer explode, o instante antes do
beijo. O tempo não tem vinda, para isso existem os caminhos.
Comecei tarde a saborear a vida como se fosse uma maçã. A
minha avó bebia-a todos os dias com o café “ Poupo no açúcar, já me basta a vida”.
Não percebi logo que a minha avó falava ao contrário, como quem começa a ler um
livro pelo fim. Para, afinal, lhe vir a herdar o jeito de descrever as coisas
do avesso. Tornar a ironia rainha e o riso a sua burguesia.
Obrigado avó Maria Antónia, sobretudo, porque adoravas os
dias 13 e as sextas-feiras com braseira e cansaço bom.
Paula Lamares
Fev/2015
Thursday, February 12, 2015
Daniela Hanganu | Manequim de Cascais na Casa Chanel
Entrevistei Daniela Hanganu acabada de chegar de Paris, onde desfilou para a Chanel Haute Couture. Foi a segunda portuguesa de sempre a desfilar para esta exigente "Maison" ... escolhida pelo próprio Karl Lagerfield que lhe elogiou os traços perfeitos e a figura. A mim conquistou-me pela simpatia, profissionalismo e grande disponibilidade. Well done Daniela!
Thursday, February 5, 2015
INSPIRATION: THE ROSE IS NOT A WORD
Ilustração de Maria Cecilia Pereira Duarte |
Dizer a palavra rosa não quer dizer absolutamente nada. Não ficas a cheirar melhor, nem sequer te podem colar a etiqueta de romântico crónico, naïf démodé ou homossexual. Para dizer rosa (a flor não a mulher) não é necessário inventar um pequeno jardim com casa dentro, cercas de madeira ou muros de pedra com hera. A palavra rosa só tem sentido para quem conhece a flor, nada diz da sua substancia, cor ou cheiro. As palavras não são a realidade nem sequer a descrevem por mais que tenhamos o dom da palavra. Uma coisa é a palavra outra coisa é a flor. Os melhores escritores são aqueles que mais perto chegam da nossa memória sobre a tripa das coisas, às emoções que já vivemos, aos sonhos que em “repeat”, sonhamos.
As palavras são etiquetas para nos orientarmos. O silêncio
não precisa de palavras. Se um dia encontrares alguém que comunique com o teu
silêncio, agarra-o, não o deixes escapar. A música não tem palavras, é preciso
estarmos apaixonados para ouvirmos a mesma música por dentro, de mãos dadas.
Não imites as palavras, não te limites pelas palavras. As
palavras picam mas não como as rosas. A picada da rosa é doce e rosada, as
palavras são vampiras e invasoras.
Quando definimos alguém com palavras estamos a colocar-lhe
um código de barras. Mas, as palavras são a única coisa que temos entre nós e a
realidade. Entre nós e o outro. A linguagem é como um manual de regras de
estilo. Tens que subverter as palavras, escrever poesia para chegares um milésimo
de centímetro mais perto da essência das coisas. Não à volta a dar. Tens que
ser poeta para te aproximares da vida.
Normalmente, o único acesso que temos é à superfície do
real. Só com a idade as entranhas deixam de causar náusea. A idade vem com o
anexo da sabedoria. Mas, saber não é sinónimo de conhecer muitas palavras,
antes a forma de as manipular e aproxima-las daquilo que para nós é a
representação da realidade.
Não é preciso ter visto uma rosa para dizermos a palavra
rosa. Mas, não basta dizer pássaro ou voar para levitarmos acima do chão. E
será possível descrever o perfume da rosa sem nunca a ter cheirado? E será possível
descrever um pássaro sem nunca ter visto o céu de perto?
Acima de tudo não te entregues à beleza das palavras. Saí da
cama, abre a janela, respira o ar gélido que antecede a manhã, sente as
nervuras da luz ferirem o sono que te embala ainda. Não queres acordar, não
queres crescer, não queres saber de confrontos nem de catástrofes. Nem dos
miúdos sujos que morrem de fome lá longe. Nem dos que aguardam desesperados que
os raios da manhã os venham resgatar da dor.
Simplesmente não queres saber de porra nenhuma que te
incomode a falsa ilusão de conforto. Só aguentas as palavras, uma notícia aqui
ou ali, a disciplina das estórias em livros. Mas, plantar, cuidar, regar e
colher a rosa no preciso momento da sua maturação, ai, isso não. Sujar a alma
de palavras, essa é a única merda que aceitas. Do que precisas é de te
espojares na terra, inundares os teus olhos de asas sujas. Depois podes declamar
o poema sobre pássaros alados e contar à plateia que sabes tudo sobre rosas.
Wednesday, February 4, 2015
INSPIRATION: A LESSON OF LIFE
A minha educação na escola primária foi terrível. Aos seis
anos entrei para a escola da professora Laurinda, uma senhora de quarentas,
natural de uma aldeia no distrito da Guarda. Falava esquisito, com uma profusão
de iiiis e rrrrrs que muitos anos mais tarde vim a identificar como pronúncia
do norte. A dificuldade eram os ditados em que a senhora dizia “bino” em vez de
vinho e o pessoal ainda verde nestas coisas da linguagem escrita ia atrás do
que ouvia e estava literalmente feito. Eram duas reguadas em casa mão por cada
erro cometido que se traduzia em mãos quase em sangue em muitos putos que
tinham o ouvido mais afinado e escreviam tal qual a professora Laurinda
pronunciava.
A profª Dona Laurinda, como fazia questão de ser chamada,
tinha umas bochechas encarnadas sob uma pele branquíssima e uns olhos
pequeninos de redondos que saiam das órbitas em delírio a cada estalar da
madeira na pele delicada das mãos dos infantes. Recordei durante muitas noites
de pavor o som oco da régua e os dedos da professora a esmagar os dedos esguios
da miudagem com uma firmeza superior ao necessário. Aquilo era um massacre autêntico
de uma sádica selvajaria.
Com ar afanado de
catequista, caminhava a Profª Laurinda pelos corredores labirínticos do edifício
antigo da escola com as chaves a tilintar a cada passada. Os miúdos cagavam-se
de medo cada vez que ouviam o som característicos do tilintar do metal contra
metal e ficavam num silêncio absoluto de olhos postos nos próprios sapatos. Até
que ela passava e todos desatávamos a rir com um nervoso miudinho que em alguns
se prolongaria pela idade adulta. Não se podia correr no recreio, nem gritar,
nem fazer nada daquilo que é suposto fazer-se na infância.
Essa repressão que durava das 8h às 13h gerava
comportamentos absolutamente insanos em alguns de nós. Assim que tocava a saída, como touros largados
do curral, os putos desatavam a correr, a brigar uns com os outros e a gritar
que nem loucos. Fazíamos grandes asneiras ingénuas no tempo que decorria da
escola a casa: tocávamos a todas as campainhas das portas para depois fugirmos
desenfreadamente, dávamos pontapés nos gordos a roubar-lhes as mochilas
espalhando os cadernos e os livros pelas ruas, os gaiatos com fisgas acertavam
nas pernas das raparigas de bata branca e saias curtas e demais atos de
rebeldia de feras reprimidas durante horas.
Um dia a coisa tinha que se dar. Entrei na 2ª classe com
distinção mas tinha a Professora Laurinda atravessada como uma espinha na
garganta. Por natureza dava-me para ficar sempre do lado dos mais fracos e
ineptos. Fazia-o por instinto e não por qualquer sentido particular de justiça.
Não conseguia ser alheia aos horrores por que passavam muitos dos meus colegas
que chegavam a adoecer mesmo para não virem à escola. Passei todas as férias de
verão a delinear uma estratégia para ser eu desta vez a dar uma lição à sádica
da professora. Nesse tempo as férias duravam 3 longos meses pelo que tive muito
tempo para me preparar.
Sempre tive um ótimo ouvido e conseguia imitar o que quer
que fosse, sobretudo vozes e … pronuncias. Não me foi pois difícil apanhar o
sotaque beirão. A pretexto de uma experiência qualquer pedi à professora para
gravar umas aulas de português numa cassete de fita que era a única coisa que
havia para gravar nesse tempo. Como era muito boa aluna e sempre cheia de
ideias a professora concordou sem desconfiar de nada. Escusado será dizer que
passei o verão todo a treinar o sotaque beirão.
Chegou o dia da leitura da composição que tínhamos feito
durante as férias. Ofereci-me logo para ler o que tinha previamente ensaiado
com a devida pronúncia. A professora lançou um sorriso seco, apreciando o meu
ato voluntário de masoquismo. Acrescento que tinha realmente jeito para ler e
uma boa voz nítida e de tom alto. Subi ao estrado em frente do quadro e virada
para a classe comecei:
“ O Karu do mei irremão
avariou na istrada. Ele tinha saído muito sedu (cedo) de Kaja (casa) e ficou
muito aborrecido. O abô (avô) tinha-lhe pedido para ele levar bino (vinho) e
cerbeja da taverna. O meu irremão rodou a tchave e nada aconteceu. Estávamos perto
do conbeto e fomos beber auga à fonte ao pé de um carbalho ainda piquenino.” (Resta
acrescentar que consegui fazer quele vibração da garganta típica da pronuncia
beirã).
Parei para respirar e entreolhar a professora Laurinda na
tentativa de avaliar os riscos que corria e se tinha que largar a fugir pela
janela caso fosse necessário para proteção da minha vida. A minha pausa foi o
pretexto certo para que os risos contidos dos meus colegas rompessem hilariantes
pela sala de aula. Não havia ameaça ou reguada que parasse aquela incontinência
de gargalhadas puras e duras. Meses e meses de contenção, de emoções
reprimidas, de ralhetes e castigos injustos, de rude seriedade imposta por
medo, de dor e raiva em fatias de ódio pequenino contra o despotismo da
educadora, ali anuladas pela minha voz plena de sotaque beirão. Batiam-se os
pés, atiravam-se canetas e folhas ao ar, uma autêntica rebelião, o caos
instalado na inocência de ainda ignorarem o grau de malvadez de que são capazes
os crescidos.
Olhei a medo para a D. Laurinda que apanhada de surpresa,
ainda não recuperada, tinha as bochechas a pegar fogo. Não esperei mais, corri
e corri e corri pelos corredores, pelo pátio, saltei o portão. Fugi. Choviam
rios. Encharcada cheguei a casa da minha avó. Corri para os braços dela.
Desatei a chorar e a rir ao mesmo tempo.
- Oh! Avó devias ter visto as bochechas da professora
Laurinda, estavam em brasa. Ela fumegava tanto que se abrisse a boca cuspiria
fogo.
À luz de agora até pode parecer que esta foi uma partida
inocente e minúscula face ao que aquela professora nos fazia passar. Mas,
quando se tem sete anos e se desafia um professor tão temido que nos punha a
tremer que nem varas verdes só de olhar para nós e nos chamar pelo nome, isto
foi uma coisa gigantesca, com algo de super-herói inconsciente no meio.
Não sei se foi a humilhação que a fez cair do pedestal, se
ficou realmente doente, um facto é que a professora meteu baixa médica a seguir
a essa manhã fatídica e não mais apareceu à escola. Ninguém sofreu represálias
e eu compreendi pela primeira vez que os mais temíveis e cruéis dos seres são
pessoas frágeis que não suportam o confronto e a humilhação pelos que
consideram fracos e desprezíveis. Ninguém é o que parece foi a minha lição de
vida.
Friday, January 30, 2015
THE INTRUDER
A Intrusa
Tinha por hábito
espreitar o mundo dos outros como se visse televisão. Não era tanto a
curiosidade que a movia, mas, antes uma sede incrível de drama, poesia e alguma
rara comédia. A conclusão era evidente: a sua vida oca e incrivelmente igual,
dia após dia, assemelhava-se à das velhas vizinhas que tudo dão conta por
detrás das cortinas das janelas. A vida estava presa dentro dela e ela
prisioneira dessa vida e no ato de espreitar encontrava os argumentos que era
incapaz de imaginar por si. Tinha um enorme deficit de imaginação e a
capacidade inventiva de uma pedra sem erosão.
A vida dos outros era a sua única distração e escrevia depois com pormenor e precisão todos os episódios que entrevia de buracos de fechadura, cortinas entreabertas e tudo o mais que lhe permitia ver escondida, anónima, invisível, por detrás da Rede. Grossos volumes de diários do alheio acumulavam-se no chão do quarto, faziam as vezes de mesa, de cadeiras, de suporte de candeeiros… a mobília de folhas e folhas escritas à mão sobre vidas…
Contudo, não era uma voyeur no sentido clássico. Não procurava desejo nem excitação, mas, uma espécie de oxigénio que alimentava a respiração dos seus dias monótonos. Nunca fora descoberta. Elevara a arte de espreitar a uma ciência. Até que um dia…
Acordou, espreguiçou-se como sempre fazia e deu vida ao corpo algo trôpego pelas muitas horas sentada. Não tinha planos, simplesmente entrava na Rede sem destino, até encontrar uma fissura na intimidade dos outros. Dirigia-se para essa abertura inusitada com calma sofreguidão e espreitava. Tornara-se uma especialista em espionagem intima, uma sofisticada paparazzi que em vez de fotografias, roubava almas sem pudor nem pena. Jamais fazia apreciações de valor sobre os segredos a que tinha acesso ou denunciava os atos mesmo que ilegais ou imorais.
Podia mesmo dizer-se que toda a atividade cerebral se fundava na amoralidade. Os adjetivos estavam abolidos dos seus relatos.
Raramente regressava ao mesmo lugar duas vezes, talvez por isso nunca fora apanhada. Mas, arriscava bastante, chegava-se perto, o mais perto que podia para escutar e assim contextualizar a história. Mas, naquele dia…
Decidira voltar… duas vezes e agora uma terceira que se transformaria rapidamente em muitas mais.
Acontecera encontrar alguém que a obcecara, apesar de saber que esse era o primeiro erro a evitar a todo o custo. Desta vez não conseguiu fugir, ainda que soubesse de antemão que o risco de ser apanhada era elevadíssimo. Entrava no quarto através da Rede e escondia-se onde podia. Aquela pessoa era apaixonante! E porquê?
O que é que tornava aquela pessoa diferente das outras? Ela não conseguia responder. A sua voz interior bem a avisava para se afastar, mas, tal como os viciados são pródigos em arranjar argumentos para continuarem a alimentar o vicio, o seu cérebro não se cansava de produzir antídotos para os avisos interiores. Havia um pássaro…
… Que na gaiola de pé alto produzia sons desafinados, nada habituais nos pássaros que cantam naturalmente afinados com o universo. Talvez fosse esse pássaro…
… Pronúncio de uma
história diferente de todas as que antes espreitara. Havia uma mulher de pele
leitosa sobre uma coberta de crochet e um quadro ao fundo com uma paisagem
paradisíaca de palmeiras e outros lugares comuns. A mulher devia estar doente
porque raramente se levantava da cama para se sentar numa cadeira de baloiço
antiga. Lia muito e recebia algumas visitas de outros pássaros, não sabia se vinham
visitar a mulher de pele quase transparente ou o pássaro aprisionado que não
sabia cantar.
Um homem vinha trazer-lhe comida, jornais e mais livros. Por vezes limpava o quarto, mudava as flores silvestres da jarra em cima da escrevaninha e levava a roupa suja dentro de um saco do lixo. Não trocavam mais do que duas frases e um sorriso fortuito. Uma vez por semana vinha uma enfermeira e um fisioterapeuta e juntos trabalhavam o corpo da mulher em movimentos de flexibilidade e alongamentos. Mas, havia só uma pessoa que tratava do pássaro desafinado…
Era um adolescente vestido de borboleta como se tivesse acabado de sair de uma peça de teatro da escola ou de um corso carnavalesco. Não tinha mais de 12 ou 13 anos e tinha uns olhos incrivelmente azuis. Mas, o que os tornava tão irreais era a menina do olho ser branca como se de dois pedaços de nuvem se tratasse. Ela nunca tinha visto nada assim. O menino não era cego, mas, os seus movimentos eram de uma leveza incrível como se os pés fossem asas deficientes que não conseguissem voar mais alto que a superfície do chão. Vinha todos os dias logo pela manhã, falava com o pássaro numa linguagem que mais parecia um dialeto raro, dava-lhe alpista e mudava a água do bebedouro. Fazia cócegas na barriga do pássaro enquanto lhe falava em tom aveludado. Dócil o pássaro deixava-o acariciar as penas coloridas sem qualquer temor. Até que o pássaro levantava voo e entrava dentro do céu que eram os olhos do menino, como se só aí ganhasse sentido como pássaro e pudesse cantar afinado porque era livre.
Fora estas visitas rotineiras ninguém mais assomava aquele quarto fechado em que ela tropeçou por acaso. Passou a ter que espreita-lo todos os dias com a urgência dos viciados.
No tempo em que a vida passou a ter reencarnações infinitas a engravidar o virtual, deixámos de poder confiar nos sentidos, afastámo-nos cada vez mais dos primários instintos, passámos a ser algo demasiado sofisticado e inominável.
Aquele quarto podia nem existir, nada era garantido, nem tudo o que fosse visto ou ouvido era real. A dúvida confundia as mentes menos aptas a viver o tempo em que nos agarramos ao invisível mas sem a força da fé.
Por vezes ela tropeçava na dúvida da própria existência. Há anos que não falava com ninguém, não acariciava o calor morno de outra pele, não era tocada por outrem. Um abraço, um beijo, um olhar dentro do seu, eram gestos perdidos cuja memória deixava um rasto tímido rumo ao buraco negro do passado.
Só tinha uma opção: fazer algo que nenhum ser inteligente jamais pensaria sequer admitir como probabilidade; Escrever em folhas de papel aquilo que observava e ouvia. Produzir livros físicos como o faziam os antigos, com as notas dos seus sentidos, omitindo as emoções. Só factos puros como tijolos que erguem o edifício sólido de uma realidade imutável. Disfarçados de móveis, os diários grossíssimos iam construindo aquilo que há muito se negava: um mundo fora dos cérebros acéfalos da Rede.
O vício do quarto habitado pela mulher leitosa, do pássaro desafinado e do menino-borboleta poria fim a esse seu mundo e ela sabia-o. Deixou de escrever, atreveu-se a desejar que aquele quarto existisse para além da Rede. Deixou de espreitar, deixou as emoções aflorarem ao seu corpo como um vendaval que começa num sopro.
Nesse dia ela acordou agitada. Esperou que os primeiros raios da manhã a viessem salvar das dores noturnas, mas, não teve sorte. Decidiu que não passaria de hoje, iria revelar-se, deixar-se-ia apanhar, a intrusa no mundo real por quem ela se apaixonou.
Entrou na Rede, teclou ansiosamente a password, apagou o seu perfil e saiu, talvez para sempre.
A rua estava deserta aquela hora. Eram cada vez menos os que saiam do conforto da Rede no ambiente seguro de suas casas. Após o primeiro impacto do desconhecido seguiu caminho guiando-se pelo som agudo do pássaro desafinado.
Começou a ouvir o canto desafinado do pássaro a aproximar-se. Sentiu o ar cortante e frio de um olhar a trespassá-la, um prenúncio de voo raso de uma borboleta que a ensurdeceu.
Estava tão desorientada como insetos a perseguir uma luz errante. Os olhos ao saírem da luz artificial em que viviam há anos, ficaram de imediato feridos por aquela claridade real que a cegava como bolo de fogo. Todos os sons mínimos que fossem eram captados na sua real frequência que a ensurdecia até ao grito.
Procurou proteção nas nuvens ensimesmadas pelo céu mais azul que alguma vez vira. OS olhos admirados do rapaz acolheram-na interrogativamente:
- Quem és tu?
- Sou a intrusa.
Monday, January 26, 2015
INSPIRATION: VIOLETTA AND SÓCRATES - ARE THEY THE REAL POP STARS?
Comparar o fenómeno Violleta com a recente manifestação
popular a favor da libertação de José Sócrates não lembraria a ninguém, mas,
dado a proximidade dos dois acontecimentos há que refletir em conjunto estes dois
fenómenos sociais. A surpresa é, feita uma análise mais atenta, a similitude
entre ambos.
Numa primeira abordagem, diria que Violetta e Sócrates são
ambos causadores de fortes diarreias de fanatismo popular, irracional e
puramente “porque sim”. É como ser-se de um clube de futebol, não há
argumentos, nem são precisos. Tanto a personagem da Disney como o ex-primeiro
ministro têm perfis de autênticas estrelas Pop que arrastam multidões e comovem
corações.
Violetta (Martina Stoessel) é uma adolescente musicalmente
talentosa que retorna a Buenos Aires, sua cidade natal, onde descobre amizades e
sua vocação pela música, após passar uma temporada na Europa. A série de
televisão argentina bateu recordes de audiência e deu origem à banda
"Violetta", formada por integrantes do elenco.
Conheço pessoas que ficaram na fila da FNAC 8 horas para
comprarem bilhete para o espetáculo da Violleta Live. Foram 72 mil bilhetes
vendidos para as seis sessões da megaprodução que trouxe a Portugal grande
parte dos personagens da série do Disney Channel ao palco.
A histeria das pré-adolescentes até se compreende, é própria
da idade em que se vibra com aquilo que faz mover o grupo a que se quer à força
pertencer. Mas, o que dizer das próprias mães que aceitaram gastar largas
centenas de euros num concerto, entre preço do bilhete, deslocações e
alimentação. Levaram as filhas, as filhas das amigas e as amigas das filhas,
vindas de Norte a Sul do país. Levantaram-se às seis da manhã para virem num
comboio lotado ao concerto a Lisboa. E a avaliar pelos relatos nos órgãos de
comunicação também choraram “ de emoção” junto com as filhas. Venderam-se
bilhetes de 500 euros só para tirar uma foto com a Violleta, para além de
assistirem ao concerto mais perto do palco. A potente máquina de marketing por
detrás da Violleta é dirigida sobretudo aos pais que não lhe conseguem
resistir.
Já o fenómeno José Sócrates é tão surreal como o de Violetta,
mas, muito mais perigoso e igualmente assistido por uma bem oleada máquina de
modernas ações de marketing. O alvo? O povo castigado, facilmente coagido e com
um elevado grau de irracionalidade, por isso mais maleável que barro morno.
Um bom exemplo disso foi, pois, o recente ajuntamento
popular que contou com cerca de 100 manifestantes da região da Covilhã que
chegaram em duas camionetas e concentraram-se este domingo em frente à cadeia
de Évora para participarem numa ação solidária para com o ex-primeiro-ministro.
Já não são só os discursos dos taxistas a favor de Sócrates, nem as opiniões de
café misturadas com uma imperial e sandes de courato que elegem o indiciado de
crimes que lesaram o povo português a melhor primeiro-ministro depois do 25 de
Abril (os mesmos que elegeram Salazar a figura do século).
Indiciado por fraude fiscal qualificada, corrupção e
branqueamento de capitais, ainda assim Sócrates é alvo de carinhoso apoio de
populares. Não só são os amigos políticos, aqueles a quem Sócrates “pagou”
favores e nomeações, nem membros da família socialista… são pessoas comuns, gente
humilde (e as maiores vitimas dos governos Sócrates) vindos de propósito da
Covilhã para entoarem o lema “Sócrates amigo a Covilhã está contigo” e depositarem
cravos e rosas junto à porta da prisão.
Assim se pariu um mártir das malhas da (má) justiça, a
defesa de Sócrates está a fazer-se na rua.
Estes dois fenómenos Violetta e Sócrates dispõem ambos de
poderosas máquinas dirigidas à emotividade e às fraquezas das pessoas (adultas)
que não resistem aos seus apelos. As multidões são acéfalas e especialmente sensíveis
ao apelo da heroicizarão (no caso de Violleta) e da martirização (no caso de
Sócrates).
A má consciência de que não somos tão bons pais como desejaríamos
face às exigências pessoais e de carreira podem justificar a machadada no orçamento
de muitas famílias que se viram na audiência esgotadíssima dos concertos de
Violleta. O que já não é assim tão facilmente explicável é a histeria coletiva
que contagiou também as mães e que as levou a comprarem às filhas o visual
integral “Violleta” e que estou certa de que só o pudor impediu as ditas mães de
envergaram os modelitos acaso os houvesse em tamanhos L ou XL.
Já no caso de apoio a José Sócrates que em muito contribuiu
para o afundanço do país e as sucessivas receitas de austeridade que lançou
ainda mais para a pobreza as pessoas que agora se viram na manifestação de
Évora, as coisas não se explicam por más consciências. Mas, talvez as T-shirts
envergadas pelos manifestantes nos digam muita coisa sobre o assunto que melhor
do que ninguém a ciência do marketing pode explicar!
Thursday, January 22, 2015
INSPIRATION: IS THE WELLNESS THE NEW LUXURY?
Não
sei bem quando é que parecer saudável se tornou uma parte importante de um
estilo de vida de luxo, mas, acho que foi durante a recente crise financeira
que assolou o mundo ocidental. As pessoas começaram a questionar a moralidade
de comprar uma mala cujo preço dava para alimentar uma família de desempregados
durante um ano. Gastar uma pequena fortuna em algo que promove a saúde física e
psicológica deixa as pessoas menos culpadas.
Mas,
um estilo de vida obcecadamente saudável não fica mesmo nada barato: é a quota
do ginásio com personal trainer incluído que chega a ascender a €250 mensais;
São os sumos verdes diários que podem custar bem mais do que uma refeição na
tasca do costume; os produtos biológicos da “Mercearia do Bairro” onde um quilo
de limões bio pode custar mais do que bifes do lombo do hipermercado; os
produtos de beleza orgânicos sem químicos incorporados com pepitas
de ouro e pó de diamantes; os suplementos alimentares da Whole Foods que acrescentam mais umas boas dezenas de euros ao orçamento mensal…
isto para não falar na roupa (de inspiração) desportiva dos designers de luxo
como a Chanel, Stella McCartney ou Alexander Wang...
Depois
temos toda uma panóplia de roupa e sapatos diferentes para as várias classes no
ginásio, pois, ninguém vai para a aula de Body Pump com o mesmo look que usou
no Cycling… A prever essa tendência as marcas de desporto como a Adidas e a
Nike estabeleceram parcerias com fashion designers e it-girls, elevando assim a
objeto de desejo roupa e acessórios para fazer… ginástica!
Contas
feitas são milhares de euros para sustentar o vício da vida saudável. Não é,
pois, de admirar que este lifestyle que elege as aulas de fitness num clube da
moda de acesso restrito e sportswear caríssima como o ultimato do luxo, se
torne o "it" mais apetecível e claro tão inacessível ao comum dos
mortais como uns sapatos Prada ou uma mala Hermès.
Hoje
o tópico social é o tipo de ioga que praticamos ou o bootcamp que surgiu num
hotel de cinco***** onde estoirámos o plafond do doirado cartão de crédito para
pagar 10 dias a sumos verdes e meditação às 6h da manhã. Os ricos ou aspirantes
comparam agora esse tipo de coisas tal como antes se comparavam carros topo de
gama ou o último grito em gadgets. Comer bem e tratar o nutricionista por tu e
que vemos mais vezes do que a nossa própria mãe, confere uma sensação de superioridade
moral e um sentimento de classe e de privilégios.
Assim
nasce um novo tipo de discriminação contra quem têm uma percentagem de massa gorda
superior ao que os manuais aconselham ou que são apanhadas em flagrante delito
com a boca nas gorduras saturadas e nos açúcares refinados.
Os novos escravos modernos não trabalham 16
horas por dia em fábricas estrangeiras, antes, se submetem voluntariamente a regimes
de alta restrição calórica e a autêntica disciplina militar onde o exercício é
levado à exaustão em bootcamps de luxo.
Obcecados
pela forma fisica, os homens aprenderam com as mulheres a contar as calorias uma
a uma, vão trabalhar com os míticos "trainers" Stan Smith da Adidas,
um acessório Alexander Wang e um fato Hugo Boss. A maioria deles são gays.Os
outros tentam perceber porque é que os gays têm tanto sucesso entre as mulheres
e inspiram-se neles.
Estas são as novas tribos urbanas onde o luxo é sinónimo de
ser ou parecer saudável com muito estilo, ou seja, carregar um tapete de Ioga
Chanel numa mão e um green juice na outra. Eis o novo lifestyle a que muitos
aspiram e transpiram para conseguir. A boa notícia é que o suor é democrático
até inventarem um odor corporal a cheirar a nº 5.
paula
lamares| janeiro 2015
Tuesday, December 30, 2014
INSPIRAÇÂO: SÓ PODIA SER ... OS SALDOS!
Uma Aventura nos
Saldos da Zara
Desconheço se o facto de o dia 28 de dezembro – data oficial
de início dos saldos na Zara – ser o dia mais esperado do ano define os tempos
que vivemos, mas, temo que isso não abone muito a nosso favor se pensarmos que
nesse mesmo mês houve acontecimentos dos mais importantes no calendário laico e
religioso. O nascimento de Jesus, a Restauração da Independência ou o Dia de
Nossa Senhora da Conceição, para já não falar do último e mítico dia do ano,
são acontecimentos menores face ao culto moderno dos saldos da Zara.
Acho até
que devido à enorme proporção tomada pelo dia que marca o início do caos Zara,
o governo em vez de restabelecer o feriado de 1 de dezembro, pense em conceder
um feriado móvel para o dia oficial de abertura dos “zaldos” já no próximo
2015. Teria os votos garantidos de grande parte do mulherio que assim ficaria
com o dia livre para “zazar” evitando engarrafamentos de tráfego e outros inconvenientes
para quem vai ali só à FNAC ou à Worten.
De facto nada tem de racional este caos que se instala nas
lojas Zara nos primeiros dias de saldos. A confusão é abissal, as feiras ao pé
disto são um evento elitista, as empregadas suspiram cansadas e ainda com menos
paciência que o habitual, proferindo o usual “O que há está à vista” ainda com
mais enfâse. Mas, nada está à vista, há roupa pelo chão, pisada, esmagada,
suja, desbragada, rota, amassada, manchada de maquilhagem, rebentada por quem
veste o 40 e quer caber num XS “porque não há maior”… filas intermináveis nas
caixas, homens dispostos a servir de cabides para casacos, sapatos, acessórios e
que mais que as mulheres lhe vão enfiando a torto e a direito para cima.
Crianças birrentas e entediadas a fazer dos provadores parques infantis. Um
calor tropical que convida as mulheres a ficarem em soutien para provarem tudo
e mais alguma coisa que depois, provavelmente, só vão vestir para aí uma ou
duas vezes. Promessas de fechar a boca a tudo o que seja mais calórico do que
uma folha de alface para caber naquelas calças que só há em 34. Ida ao
McDonalds a seguir para contentar a criançada altamente chateada.
E a aventura
irá repetir-se uma e outra vez nos dias seguintes porque há sempre novidades,
coisas novas a chegar dos armazéns e números novos provenientes das trocas que
há uma sede nunca vista de Ms e Ls.
Tudo isto é ainda mais inexplicável porque se virmos bem os
produtos nestes primeiros tempos de saldos têm descontos que não chegam aos
cinco euros e em alguns casos não passam de uns cêntimos. Porque é nestas
alturas de stress que somos levados a fazer compras por impulso porque
sim, porque é um falso barato, porque até há no nosso tamanho. Porque é sempre
bom termos mais um vestido preto/ casaco beringela/carteira dourada/sandálias altíssimas
para usar naquela ocasião especial que nunca chega e que quando chega nos
apetece comprar algo que tenha a ver com a nossa disposição do momento. Porque
somos tentados a comprar o que não tem nada a ver connosco mas que supostamente
está na moda que entretanto passou e nós nem demos por isso. Porque somos
tentados a comprar dezenas de versões do mesmo produto em cores diferentes mas
em tudo semelhantes e depois parece que andamos sempre de farda e à conclusão
inevitável de que “Não temos nada para vestir”.
É verdade que também eu vou à moderna catedral “zazar”
nestes dias, mas, o que eu faço é investigação sociológica. Esta é a minha
desculpa, certamente que são capazes de inventar outras tão boas quanto a
minha. Mas, também é certo que raramente compro. Só o faço quando encontro algo
especifico que “guardei” há muitos meses atrás no cesto do site e só quando ele
atinge um preço realmente baixo, nunca abaixo dos 50%. Mas, isso só acontece mesmo
no fim dos saldos porque tenho a sorte genética de calçar o 40 e conseguir
enfiar-me num XS sem o sacrifício da alface (não, não vos digo isto para vos
atazanar… é verdade.)
O que eu amo na época dos saldos é mesmo ir a lojas que
durante o ano jamais entraria e que aí sim se podem encontrar bons
investimentos. Como é o caso de um casaco comprido camel de corte clássico que está
nos 30% numa boutique exclusiva da Avenida da Liberdade e que espero
desesperadamente que chegue pelo menos aos 70%, ficando ao preço Zara mas com a
qualidade da marca … (ah! Não digo eheh!).
Agora se se quiserem ir matar-se para os saldos da Zara,
arriscarem-se a ficar com uma unha de gel enfiada no fecho dos jeans onde
tentam desesperadamente caber, com as extensões de pestanas dentro de uma
camisola de lã XXL ou com os cabelos nas mãos de uma concorrente desleal que
puxou o mesmo casaco, fiquem à vontade. Depois, não se queixem que vão para casa
cheias de sacos de roupa igualzinha à que têm em casa ou com peças tão
diferentes que só vão dar uso no Halloween. Não digam que não vos avisei!
Thursday, December 18, 2014
O JANTAR DE NATAL (THE X-MAS PUDDING)!
“Então e a namorada?”O solteirão encolhe os ombros e
recolhe os olhares invejosos dos homens casados da família “Ah! Campeão” e os
de comiseração “Coitadinho” das tias e cunhadas. Entrega a garrafa de vinho ao
irmão e coloca as mãos nos bolsos enquanto sorri para as sobrinhas de telemóvel
apontado como arma ameaçadora “ Não me chateie!”.
A doença grave da tia Alva desvia as atenções do solteirão
que se senta no sofá ao lado do sobrinho Ivan, cuja playstation atua como sedativo,
a única forma de o tornar menos terrível. ““Não lhe digas nada. Deixa-o estar que
está calado e quieto” como se esse fosse o único sonho da mãe e não ter um
filho educado e sociável.
“ Então já estamos todos?” grita a avó da cozinha enquanto
limpa as mãos ao avental e arruma o cabelo em carrapiço. Ninguém fala da Ruby.
A filha mais velha da Analdina é assunto tabu nas reuniões de família. “ Quero
ficar ao lado da Ruby” grita em início de birra o Ivan, atirando a playstation
para o tapete. “A Ruby só vem mais tarde. Ficas ao lado da Leonor”. “Não quero.
A Leonor é feia e uma chata”, volta a gritar o reizinho e a mãe corre a tentar
prevenir o esboço de uma monumental birra. “Se calhar é melhor darmos os
presentes aos miúdos antes do jantar” sugere uma das tias que já está a ver
a paz da refeição ameaçada. “ Nem pensar. Nesta casa cumprem-se as tradições”
exclama o avô, o maldisposto.
Voltam a bater à porta. “É a Ruby!” grita o reizinho Ivan
correndo para a porta. Todos se entreolham e a avó dirige-se para abrir a
porta. Entra uma adolescente com cabelo azul e um piercing no nariz, seguida de
um rapaz vestido de cabedal dos pés á cabeça. “Este é o Tralhas!”. “Sejam bem-vindos
meus amores” exclama a avó na tentativa diplomática de quebrar a frieza de Pólo
Norte apesar da acolhedora lareira. Trouxemos uma garrafa de vodka e a mãe do
Tralhas fez um bolo de agrião. Ela é vegan.” Explicou a miúda tirando o
cachecol e ignorando os olhares trombudos dos restantes convivas.
O Ivan nunca mais saiu do lado da prima e do namorado “Bué
da fixe” apontou o miúdo com o dedo na tatuagem- revólver no pescoço do
adolescente. A mãe do reizinho revirou os olhos ao marido que estava prestes a
dizer algo menos conveniente. “É só um jantar, Tónio. Logo eles vão embora”.
O telefone fixo tocou. Ninguém sabia onde estava o telefone.
Todos de repente se mostraram muito disponíveis para o jogo da caça ao tesouro.
O telefone continuava a tocar. A avó lá conseguiu achar o barulhento e
inesperado mecanismo. Os mais novos olhavam intrigados para aquele telemóvel
gigante. “É a Lena da Alemanha!” gritou a avó delirante. Todos prestaram atenção,
até a criançada acalmou. “ A única da família que valia alguma coisa e foi-se
embora” rangeu o avô entre dentes. “ A
Lena e o marido mandam muitos beijinhos. E prometem que para o ano vêm cá
visitar-nos.” “Está tudo a correr bem com eles?” “ Parece que sim. Depois de se
ambientarem é tudo mais fácil.”
A Ruby pareceu interessada numa moldura na estante e chamou
a atenção do Tralhas. Era uma foto dela no primeiro dia de escola “Cool”
exclamou o Tralhas, mais preocupado com a comida que tardava a chegar. O tio
solteirão cujo infortúnio de não ter namorada foi abafado pela entrada
dramática de Ruby, perguntou “ E o jantar?”. “O bacalhau está a sair já, já”
respondeu a avó. “Mas, o Tralhas é vegetariano!” “ Como? Não come bacalhau?” “
O bacalhau não é carne” “ Na verdade nem peixe”. “ Oh, prima, os vegetarianos
não comem é animais”. “ Dá-lhe o bolo de agrião da mãe” resmungou o avô.
O Tralhas que estava
a ver o seu jantar em risco apressou-se a esclarecer que vegetariana
era a mãe. Ele até ia ao MacDonalds e interessava-se pelas ideias da extrema
direita. O avô levantou-se da mesa e agarrou o braço do miúdo “Rua, rua, põe-te
daqui para fora. À minha mesa não se sentam nazis. Os meus bisavós eram judeus
da Polónia, seu sacaninha.”
“Avô acalme-se que ainda tem um achaque”. “Fora da minha
vista Nazizinho de trazer por casa”. “Avô mais respeito pelos meus amigos.” “E
tu miúda vai tirar os macacos do nariz e toma banho”. “Não são macacos pai, é
um piercing” “Quero lá saber. Fora daqui.”. O Tralhas viu definitivamente o
jantar a ir para a alheta. Ruby vestiu o casaco e apressou-se a empurrar o
miúdo que ainda estava um bocado baralhado. “ Anda Tralhas a minha família cheira
mal. Já te tinha dito mas não acreditaste.” “E agora onde é que vamos jantar? A
minha mãe vai passar a noite no retiro da paz” “ Eu quero a Ruby” gritava de
raiva, Ivan o Terrível. “ Se formos a correr ainda apanhamos a sopa dos sem
abrigo, ali na Estrela”. “Ninguém vai a lado nenhum.” Impôs a avó. “Sentem-se
todos à mesa já”. A matriarca transformou-se em general e ninguém se atreveu a
contrariar a ordem.
O jantar decorreu em silêncio. Todos tinham saudades da Lena
e do marido. Sobretudo, porque não estavam lá. Ivan ensaiou uma nova pré-birra
quando o obrigaram a não usar a playstation à mesa. As primas contudo usaram o
telemóvel à vontade. Ruby disse que não era justo que uns pudessem fazer o que
lhes dava na real gana e outros tinham que obedecer a supostas regras ditadas
pela minoria. Todos olharam para ela e lembraram-se da mãe falecida de overdose
tinha a miúda 2 anos. O pai deu á sola e ninguém mais lhe pôs a vista em cima...
Agora a filha tinha-lhe herdado o jeito para defender os indefesos. Não lhe
auguravam bom futuro.
Tosses discretas, e o marulhar das colheres no arroz doce. O
jantar de Natal estava quase acabado. A Missa do Galo era o episódio seguinte. “Achas
que a Mariazinha vai ter o atrevimento de ir à Missa?”. “ Porquê, se Deus lhe
perdoou !” “ Mas, ela traiu o marido e quebrou os votos do casamento!”. “É por
isso que não me caso” ripostou o tio enquanto assumia a pose de gay disfarçado
de solteirão.
Wednesday, December 17, 2014
INSPIRATION: LIFE AND OTHER THINGS LIKE THAT
A tua vida é a tua obra-prima, edita-a as vezes que forem necessárias. Repete os erros até que consigas entender porque erraste. Volta atrás, pede desculpa, revê os sonhos, não aceites ultimatos. Não há formulas para a felicidade. Só sei que tudo se torna mais fácil se aceitarmos cada situação como ela é e não como achamos que ela deveria ser, depois, é só aproveitar o melhor de cada uma. Também dá um certo jeito não estragar o que se tem com a frustação do que não se tem. É sabido que só se entende isto quando se perde o que se tem, mas, fica bem dize-lo.
A verdade é a mentira mais incrível de todas porque não existe uma verdade. A vida não é um conjunto de factos objetivos e acumuláveis como os pontos do Continente. Mas, quem te ama acaba sempre por te fazer um desconto! Essa é uma das boas notícias. Tu és a forma como interpretas a tua vida e a dos que te rodeiam. Essa é a tua verdade. Mas, tens que saber lidar sobretudo com as verdades dos outros.
Outro dos temas caros quando se fala acerca da vida é o amor. Essa coisa tão popular e valorizada. Acontece que o amor gera demasiadas expetativas. Pode ser das melhores coisas da vida mas não podemos sobrecarregar o humilde sentimento que não se compra nem se deixa comprar. O amor não é nenhuma dessas coisas que são escritas em frases lapidares em postais. O amor não te vai mudar quem és, não torna o teu carro mais rápido nem te lava os pratos sujos. Tudo é amor e amor é tudo o qu ele precisa de ser.
Finalmente, nada, mas, mesmo nada é uma perda de tempo. Isto é algo que só entendemos quando deixamos de ser impacientes e provavelmente demasiado jovens. O segredo é ter a sabedoria suficiente para aprender algo novo todos os dias em cada momento. Raramente podemos colocar-nos em situações excepcionalmente interessantes ou cruzarmo-nos com génios ou pessoas radicalmente diferentes. A maior parte da nossa vida é feita de rotinas e de episódios aborrecidos e monótonos. Por isso cabe-nos a nós torna-los interessantes porque tudo é relativo e depende da abordagem que lhe consigamos dar. Se fizermos um esforço para sairmos da nossa zona de conforto algo acontece. De facto as zonas de conforto são seguras mas provavelmente nada lá se gera nem cresce.
Já alguma vez olhaste para aquilo que vês todos os dias de uma forma completamente diferente? Para o rosto de quem te rodeia como se fosse a primeira vez? Já viraste do avesso a paisagem que vês da tua janela? Já reparaste na paisagem que não consegues ver da tua janela?
Ok, não tens dinheiro para viajar, já visitaste a tua própria cidade? Já entraste na igreja a cuja porta passas todos os dias? Sequer andas a pé com olhos de viajante pelos caminhos de todos os dias?
É essa a atitude.
A tua vida é a tua obra-prima. Edita-a as vezes que consideres necessário... Muda o guião, arranja outros protagonistas, melhora o teu desempenho. O filme só passará uma vez e depressa chegas ao FIM.
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