Ilustração de Maria Cecilia Pereira Duarte |
Dizer a palavra rosa não quer dizer absolutamente nada. Não ficas a cheirar melhor, nem sequer te podem colar a etiqueta de romântico crónico, naïf démodé ou homossexual. Para dizer rosa (a flor não a mulher) não é necessário inventar um pequeno jardim com casa dentro, cercas de madeira ou muros de pedra com hera. A palavra rosa só tem sentido para quem conhece a flor, nada diz da sua substancia, cor ou cheiro. As palavras não são a realidade nem sequer a descrevem por mais que tenhamos o dom da palavra. Uma coisa é a palavra outra coisa é a flor. Os melhores escritores são aqueles que mais perto chegam da nossa memória sobre a tripa das coisas, às emoções que já vivemos, aos sonhos que em “repeat”, sonhamos.
As palavras são etiquetas para nos orientarmos. O silêncio
não precisa de palavras. Se um dia encontrares alguém que comunique com o teu
silêncio, agarra-o, não o deixes escapar. A música não tem palavras, é preciso
estarmos apaixonados para ouvirmos a mesma música por dentro, de mãos dadas.
Não imites as palavras, não te limites pelas palavras. As
palavras picam mas não como as rosas. A picada da rosa é doce e rosada, as
palavras são vampiras e invasoras.
Quando definimos alguém com palavras estamos a colocar-lhe
um código de barras. Mas, as palavras são a única coisa que temos entre nós e a
realidade. Entre nós e o outro. A linguagem é como um manual de regras de
estilo. Tens que subverter as palavras, escrever poesia para chegares um milésimo
de centímetro mais perto da essência das coisas. Não à volta a dar. Tens que
ser poeta para te aproximares da vida.
Normalmente, o único acesso que temos é à superfície do
real. Só com a idade as entranhas deixam de causar náusea. A idade vem com o
anexo da sabedoria. Mas, saber não é sinónimo de conhecer muitas palavras,
antes a forma de as manipular e aproxima-las daquilo que para nós é a
representação da realidade.
Não é preciso ter visto uma rosa para dizermos a palavra
rosa. Mas, não basta dizer pássaro ou voar para levitarmos acima do chão. E
será possível descrever o perfume da rosa sem nunca a ter cheirado? E será possível
descrever um pássaro sem nunca ter visto o céu de perto?
Acima de tudo não te entregues à beleza das palavras. Saí da
cama, abre a janela, respira o ar gélido que antecede a manhã, sente as
nervuras da luz ferirem o sono que te embala ainda. Não queres acordar, não
queres crescer, não queres saber de confrontos nem de catástrofes. Nem dos
miúdos sujos que morrem de fome lá longe. Nem dos que aguardam desesperados que
os raios da manhã os venham resgatar da dor.
Simplesmente não queres saber de porra nenhuma que te
incomode a falsa ilusão de conforto. Só aguentas as palavras, uma notícia aqui
ou ali, a disciplina das estórias em livros. Mas, plantar, cuidar, regar e
colher a rosa no preciso momento da sua maturação, ai, isso não. Sujar a alma
de palavras, essa é a única merda que aceitas. Do que precisas é de te
espojares na terra, inundares os teus olhos de asas sujas. Depois podes declamar
o poema sobre pássaros alados e contar à plateia que sabes tudo sobre rosas.
No comments:
Post a Comment