Saturday, March 23, 2013

BREVES CONTRIBUTOS PARA A COMPREENSÃO DE VESTIDO COM VULVA DE JOANA VASCONCELOS





Pessoalmente sempre me fez impressão a expressão "artistas do regime" porque a considero uma contradição nos próprios termos. Para mim a expressão artista tem que ter conotação com ser livre, contestatário, incómodo, mais ou menos outsider. Artista é aquele que nos faz ver de outro modo e nos faz pensar sobre coisas dadas como adquiridas. Uma obra produzida por um artista tem que acrescentar algo aquilo que vemos e sabemos. Eu sei que esta é, talvez, uma visão demasiado romântica do que deve ser um artista, mas, é a minha visão. Por isso um artista quando é pago pelo regime e o representa, pode ser tudo menos aquilo que espero que um artista seja. Um artista até pode estar "engajado" num determinado status, o artista não tem que ser boémio, miserável e viver num sotão húmido dos suburbios como em La Bohéme. Mas, também não pode estar somente ao serviço do styling do Poder. Não sei se é porque o Poder sempre desprezou a arte, por medo ou ignorância, mas, o facto é que sempre que alguém, po rmais talento que tenha, é bajulado pelas forças no Poder, eu desconfio.

Há uns anos atrás até achava piada a uma certa irreverência de Joana Vasconcelos. Gostava da sua maneira peculiar de pegar em objetos do quotidiano e através de uma ironia sarcástica esculpi-los em outra coisa qualquer muito diverso da sua função. O certo é que hoje Joana Vasconcelos é como Amália foi no passado, uma embaixadora de Portugal. Entretanto, é-lhe reconhecido o valor de levar a tradição e a cultura portuguesa além-fronteiras. Não discuto isso, obviamente. Para mim não é a sua arte que está em questão, é a sua figura e as suas atitudes pró-poder. Num periodo como o que vivemos, em que a contestação está de novo em todo o lado e é transversal a todos os quadrantes politicos e classes sociais e profissionais, não me cai bem que a Joana Vasconcelos esteja completamente apática, surda e muda, ao estado da arte, em particular, e da cultura, em geral, no país. Esta sua nova exposição no Palácio da Ajuda, talvez a sua maior exposição individual, está a ter o mediatismo natural, o que não é natural é que a Joana Vasconcelos se comporte como um jogador de futebol da selecção nacional que vai ser agraciado pelo Presidente da República, com fotos de Estado e atitude cumplice. Pois, mais do que o exagero do look que Joana Vasconcelos escolheu para a ocasião, é a cumplicidade com um Primeiro-Ministro que está a matar a indústria cultural em Portugal que mais me choca na imagem.

Sem um povo culto e instruido não há público para a cultura de qualidade. Por nunca ter havido, em Portugal, uma estratégia coerente e séria de ensino de música, por exemplo, extensivel a todas as outras manifestações artisticas, é que a cultura precisa de subsidios. Há subsidios porque não há público suficiente e não há público suficiente para suportar as produções artisticas porque não há politica de ensino de arte em Portugal. Infelizmente, a arte nunca conseguiu conquistar a atenção do Poder como por exemplo a investigação científica o fez recentemente. Se antes era o Estado Novo ( e até mais atrás) que fazia questão de manter o povo na ignorância porque lhe convinha, depois do 25 de Abril até aos nossos dias, havia e  há sempre outras prioridades para o país antes da educação e da cultura que lhe está directamente conexa. A cultura sempre foi desprezada por quem tomou a cadeira do poder em Portugal, excepto, claro está aqueles artistas apadrinhados pelo regime que caí bem apoiar e encomendar obras que custam fortunas aos contribuintes.

Nunca vou entender muito bem Joana Vasconcelos. Se por um lado, quer mostrar alguma irreverência quer através do seu trabalho, quer na escolha da forma peculiar como a sua pessoa se apresenta, e aqui não vou entrar com apreciações estéticas, por outro lado, aparece em imagens como esta que aqui reproduzo em atitudes institucionais, mas, aparamentada com um dress code formal-oh-apalhaçado que a ocasião (não) requeria. É artista desculpa-se tudo. Até pode ser. Mas, o que eu não desculpo é a sua atitude conivente com o poder que maltrata não só os seus congéneres como a própria cultura e tradição de um povo que ela diz querer defender e preservar. A mim cheira-me a hipócrisia e a foclore, esta imitação tosca de Anna Piaggi. que-encontra-as irmãs-da-cinderela, mas, sem atitude nem inteligência. Porque quando alguém se veste para chamar a atenção, se não há uma atitude inteligente e com substância que a suporte, ficamo-nos pela palhaçada meramente formal e de mau-gosto. Só lamento que os Storytailors que admiro bastante estejam por detrás da imagem de Joana Vasconcelos nestas ocasiões, pois, não acredito que ela seja exatamente a imagem que eles quereriam para as suas criações, e não quero crer que seja o mediatismo e o marketing que isso possa trazer à dupla que os fez aceder a isso, pois, ser falado e comentado pelas más razões nem sempre justifica a popularidade a qualquer preço, ou, justifica?

   



         

Piaggi, a original

2 comments:

  1. Concordo plenamente contigo e há vários factores que me fazem não admirar de todo a JV. Em primeiro lugar admiro as suas ideias, mas muito daquilo que cria não tem sequer o seu cunho pessoal, o seu contacto com as peças, o seu trabalho manual!
    Em segundo lugar, com tantos e bons artistas em Portugal penso que (por algum motivo) lhe estão a dar um destaque desmesurado.
    Quanto ao vestido nem vou comentar, fiquei espantada quando soube que era dos storytailors porque sempre os associei a vestidos criativos mas bonitos!

    Um grande beijinho,



    All about Lady Things



    PS. Não percas o meu último post  AQUI :) ♡








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