Monday, March 24, 2014

INSPIRATION: HOW MY GRANDMOTHER'S COOKING MADE ME WHO I AM?






Tenho-me dado conta que partes das minhas obsessões com comida foram culpa direta da minha avó. O que para mim representa de imediato uma contradição, uma vez que a minha avó era devota de uma vida livre de excessos e da gula (não no sentido católico de pecado mortal, mas, como uma vergonha mortal face à escassez que (já) naquele tempo imperava no país para a maioria da população. Não que ela considerasse o hedonismo a autoestrada para a danação do Inferno, pelo contrário, ela ensinou-me que o verdadeiro pecado era desperdiçar as coisas boas da vida quando estas se nos apresentassem à frente, mas, tinha uma noção incrível do equilíbrio e bom senso. Por isso, a minha avó dedicou grande parte da sua vida a um empreendimento cujo sucesso não dependia em nada de si própria – tornar-me uma boa pessoa - e ao mesmo tempo ia-me mostrando a vida em todo o seu esplendor, onde se incluía o culinário.

Imaginem um ser que nascesse de uma mistura dos genes da finança como ciência exata de Oliveira Salazar, da noção de grandeza como filosofia absoluta de Napoleão  Bonaparte e da ingenuidade social de Jean-Jacques Rousseau e cuja mãe fosse Isabel I de Castela com o seu pulso de ferro e sageza, e terão uma ideia bastante aproximada de quem foi a minha avó. A mulher que mais liberdade mental me deu e mais me restringiu o meu comportamento obsessivo-compulsivo e, simultaneamente, me mostrou a beleza de um pão alentejano acabado de sair do forno cujas fatias barrava com banha de porco caseira e polvilhava de açúcar amarelo. Foi ela a inventora do conceito “Impossible is Nothing” (O impossível não existe senão na tua cabeça, oh neta!) e que a Nike, anos mais tarde, roubaria, descaradamente. Tinha uma saúde de ferro que tratava a café e um cálice de anis quando se sentia mais cansada, num tempo em que conceitos como colesterol e tensão arterial ainda não tinham sido inventados para o povo. Gorduras, açúcar, pão e comida condimentada eram a minha dieta desde tenra idade. Juro que perante os condimentos picantes feitos pela minha avó, a gastronomia indiana e mexicana é um doce tormento, e ela inventava aquilo tudo com especiarias de misteriosa proveniência, pois, a comida alentejana desconhecia ainda a mão molecular da minha avó.

Cozidos e grelhados eram para ela comida hardcore e uma falta de respeito para com Deus que nos criou com o paladar requintado e o elegeu como um dos 5 sentidos ao dispor da humanidade. Por isso, mal tive o primeiro dente, fui logo sendo apresentada aos seus sabores fortes e temperos quentes. Ao doce misturado com salgado, ao apimentado que travava com o amargo do cacau e a outras misturas improváveis que me definiram como pessoa até hoje. Lembro-me de quando vim estudar para Lisboa e arranjei o meu primeiro emprego, ter ido com a minha patroa pela primeira vez a um restaurante clandestino, à porta fechada, na Rua da Rosa. Tudo aquilo era muito misterioso e as pessoas que nos serviram, em mesas baixinhas e nós sentadas em almofadas, de olhos rasgados e vénias por nada e por tudo, iam trazendo pratinhos de comida indefinível e na maioria crua. A minha patroa olhava para mim com curiosidade e depois com um grande espanto que já não conseguia esconder, apesar de ser uma pessoa bastante fleumática à maneira inglesa. Como é que uma pessoa como eu, vinda dos confins da província, lidava tão bem com todas aquelas novidades alimentares? Vim a saber mais tarde que tinha ido ao meu primeiro restaurante japonês que eram completamente desconhecidos no eixo Lisboa-Cascais e que só cerca de 20 anos mais tarde é que viriam a conhecer a luz do dia na capital e 30 anos mais tarde se tornariam moda e fast food. Claro que a Ana Salazar nunca tinha sido iniciada pela gastronomia típica da minha avó Maria Antónia e que à beira daquelas japonisses era uma espécie avançada de comida experimental molecular. Não que a minha avó andasse em volta de tubos de ensaio em que líquidos de todas as cores borbulham e deitam uma espécie de fumo branco, nem que ela soubesse alguma vez o que era uma mousse de salmão com reduzido de pêra rocha. Mas, estou completamente convencida que foi a minha avó que inventou o sushi quando um dia me abrigou a comer cação crú envolto em arroz para disfarçar o gosto e que ela assegurava tratar todo o tipo de problemas de estômago e vesicula.  

Hoje, nada me faz confusão, sou uma pessoa aberta a todo o tipo de experiências desde que não me obriguem a participar nelas se para tal não estiver para ai virada, raras são as coisas que me chocam e ainda considero intacta a minha capacidade de me espantar. Em resumo, graças às experiências alimentares da minha avó, sou uma “open mind” para quem o impossível é nada e nada é impossível. As lições gastronómicas da minha avó não me fizeram uma grande cozinheira (nem sequer pequena ou minúscula), mas, prepararam-me como ninguém para a vida e para apreciar as coisas boas, as novidades e as mudanças. E com isto posso dizer, afinal, que a grande empresa que a minha avó se propôs a fazer ao longo da sua vida – educar-me – foi um verdadeiro sucesso. Não sei se sou aquela boa pessoa que ela queria, mas, sem dúvida que sou tolerante para com a diferença e absolutamente intolerante para a estupidez de quem não experimenta por medo, de quem não muda por acomodação, de quem é ignorante por opção. E claro com as minhas obsessões alimentares induzidas e refreadas pela mão firme de Maria Antónia.          

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