Friday, October 26, 2012

A CRÓNICA DAS SEXTAS: HAPPY BIRTHDAY!




“Somos tão mais verdadeiros quanto mais nos parecemos com aquilo que sonhamos ser”
    In “Todo Sobre Mi Madre" (Agrado) de Pedro Almodovar






Pintei as unhas de roxo escuro e enquanto as unhas secavam refiz aquele sonho pela enésima vez...

Tenho este vício, ou direi trauma, de andar constantemente a refazer os sonhos como se eles fossem uma cama desfeita todas as manhãs, lençóis por esticar, edredão por endireitar, almofadas aconchegadas e eis que o sonho velho surge recauchutado. Desta vez acrescentei uma vírgula à família de sonho que amo, o Tché, um labrador bebe todo preto azulado. Foi uma prenda de aniversário adiantada. Tenho por mim que quanto mais amamos os outros mais somos capazes de nos amar a nós próprios, e a boa noticia é que não há plafond máximo para o amor.

Saí de casa com um sorriso pendurado na cruzeta do olhar...

Sorrir com os lábios é fácil e pode ser enganador, mas, com os olhos não há como inventar a não ser que se seja uma actriz fabulosa e mesmo essas desconfio que no calor da cena sentem mesmo o que fingem sentir. Gosto do caminho que percorro até ao trabalho. Sou uma privilegiada porque levo sempre o mar comigo lado a lado durante a curta viagem que dura 30 minutos. O mar é a coisa que mais se parece comigo, sempre tive esta sensação. Tem dias em que parece um espelho infinito caído por terra para melhor reflectir o que se passa lá em cima no céu, outros dias o espelho parte-se, revoltasse contra o mundo, contorce-se e espraia-se para além dos limites que nenhum obstáculo contem. Revejo-me bastante nesta bipolaridade do mar e também no seu mistério, ora silencioso ora ensurdecedor, ora Zen ora vivo e animado, revoltoso até. Não há dois dias iguais para quem observa o mar como eu o faço todas as manhãs.

Amanhã faço 47 anos e assaltam-me emoções ambíguas...

Por um lado, continuo com aquela alegria de menina pequena que se acha imortal e cujo dia de anos é o ponto Everest do ano. Por outro lado, pergunto-me como é que cheguei já aqui tão perto da fronteira dos 50? Cliché à parte, a vida é um momento que passa enquanto fazemos planos, refazemos os sonhos e dormimos. Aqui o melhor e o pior juntam-se à esquina a tocar concertina e a cantar o solidó! O melhor é aquilo que aprendi com 47 anos de experimentação, erro, repetição e aprendizagem. O pior é que o tempo é um tirano que não conhece o perdão nem a clemência, e vai fazendo estragos físicos e psicológicos por onde passa. Rabo e mamas à parte, olhos que precisam do braço esticado para ler as miudinhas das instruções, memória que tende a fixar-se melhor num episódio de há vinte anos atrás do que no que comi ao almoço, um facto é que me sinto melhor do que naquela foto em casa dos pais quando tinha 27 anos. Mas, isso deve ser da roupa e do penteado antigos que sempre nos parecem horríveis e de um mau gosto atroz.
Aprendi sobretudo que a forma como os outros nos tratam tem tudo a ver com a nossa atitude para connosco próprios. E para gostarmos de nós temos que primeiro gostar dos outros. Esta premissa parece fácil agora, mas, foram precisas quatro dezenas de anos de vivencias, desencantos, amores e desamores para perceber isso. Essa é a vantagem de se chegar aos 47! Irmos compreendendo finalmente o mecanismo complicado das relações e o puzzle de milhões de peças da palavra sentimento, e ao mesmo tempo ainda não sentirmos que estamos a decrescer nas nossas faculdades físicas e mentais.

Estacionei o carro e fui tomar o meu galão enquanto deito uma olhadela rápida aos títulos do Diário de Noticias, antes de começar definitivamente o meu dia de trabalho. Hoje o sonho que recuperei do meu catálogo de sonhos é absolutamente vintage. O meu sonho tem só a ver comigo e como estou prestes a fazer anos julgo que me é permitida esta atitude mais egoísta. Portanto, o sonho que hoje carrego comigo e ao qual estiquei os lençóis e compus as almofadas, é o sonho de por um dia voltar a ser impulsiva, espontânea, criativa, inconsequente, doce, sensível… numa palavra livre. Mas, tenho quase 47 anos e sei bem que a verdadeira liberdade vem agarrada a tanta e tanta tralha que é impossível exorcizar!

Por exemplo, e se hoje em vez de ir trabalhar fosse mesmo ver o mar de cara a cara e não só da estrada, à distância? E depois quando quase me decido vem toda a tralha da responsabilidade e dos deveres profissionais. E se pegasse no carro e fosse dar um beijo às minhas filhas que estão longe? E a seguir a este pensamento vem toda a tralha do dinheiro que isso vai custar, e de como é preferível ir com mais tempo para usufruir mais da companhia delas. Por isso o meu sonho recuperado hoje é voltar a ser menina pequena, subir para o colo da avó e fazer de conta que tudo é como deveria ser.

Há cerca de 40 anos atrás encontrei uma menina reguila, de cabelos longos castanho-escuros, olhos enormes e pestanas esguias de veludo preto...

Uma menina que com 5 anos já sabia ler do jornal enganando a avó analfabeta que pensava que ela inventava histórias de sua própria cabeça. Uma menina que passava a vida a esconder-se debaixo dos móveis pregando grandes sustos à mãe. Uma menina que adorava andar de bicicleta e queria ser fada para ajudar os meninos pobres a serem ricos, e os meninos feios a arranjarem muitos amigos. Mais tarde a menina cresceu e eu apaixonei-me por ela. Não posso voltar a ser essa menina, e o meu sonho é impossível, porque sei demais, vivi muito e não posso ignorar as coisas. Mas, amanhã e por um dia só voltarei ao colo da minha avó nos braços do meu marido, na vozes doces das minhas filhas, nos bem-me-quer dos meus pais, e na inocência incondicional da dependência de Tché, o cachorrinho. E então de novo no colo da minha avó, irei fechar os olhos e desejar um feliz aniversário para mim, mulher que amo e que nada mais deseja senão amar e ser amada como se não houvesse amanhã e a vida fosse sempre bela até aos confins dos tempos.





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