Monday, October 31, 2011

INSPIRATION: NO INSPIRATION AT ALL!!!


Este governo vai ficar sempre na minha memória como “os gajos que me roubaram o Natal”. Não adianta, começarem a colocar pisca-piscas coloridos por todo o lado, soarem cânticos de paz e amor em tudo o que é espaço público, encherem as praças dos centros comerciais de árvores de Natal e as montras repletas de enfeites dos chineses. Não adianta…


Ando mesmo muito desanimada! Trabalho a sério desde os 17 anos e nunca, mas, nunca dependi nem de subsídios estatais nem sequer de uma magra bolsa de estudo. Posso dizer que desde que me conheço que sempre procurei ganhar dinheiro para os meus pequenos luxos, e com 13 anos trabalhava nas férias para comprar revistas de moda e calças de ganga. Quando acabei o curso e deixei a moda de lado, fui para um escritório de advogados que me exploraram até ao osso, a trabalhar 16 horas por dia e a ganhar €500 por mês. Nunca me queixei , mas, foi com o nascimento das minhas filhas gémeas que me apercebi que ou trabalhava menos horas ou assumia delegar as minhas competências de mãe a uma empregada. Escolhi ser mãe e comecei a dar formação numa escola profissional. Entretanto, a escola reduziu o pessoal à custa de deixar de receber subsídios da comunidade europeia, e foi aí que comecei a investir numa carreira numa das áreas do direito que mais gostava, o urbanismo. E como na altura, há cerca de 18 anos, trabalhar no urbanismo significava ir trabalhar para uma Câmara Municipal, concorri a uma vaga e entrei. Mas, entrei na Câmara Municipal de Évora por meu mérito, nunca tive cunhas nem outras facilidades, e fui para lá trabalhar por gosto e não para me encostar a um ordenado certo ao fim do mês e demais regalias associadas ao funcionário público.

É por isso que ando tão desanimada! Na época em que a minha mãe foi funcionária pública, esta era uma classe respeitada na comunidade e os seus membros gozavam de um bom estatuto profissional, era-lhes reconhecida importância no que faziam e trabalhavam para a coisa pública, o mesmo era dizer para o bem comum. No meu caso, e enquanto os meus colegas advogados e juristas a trabalharem em empresas privadas andavam de Audi topo de gama, eu como funcionária da Câmara andava de Renault 5; Enquanto eles tinham vivendas e montes alentejanos com piscina, eu tinha uma casinha pequena alugada nos subúrbios da cidade. Mas, tudo bem, fazia o que gostava e gostava do que fazia, nunca questionei a minha opção.

Tenho por isso razões de sobra para estar desanimada! Trabalho em Câmaras Municipais na área do urbanismo há 18 anos, nas minhas funções defendo o interesse público, isto é, o interesse dos meus concidadãos. É graças a mim e aos meus colegas juristas, arquitectos, engenheiros, urbanistas, paisagistas, demais técnicos, administrativos e auxiliares que se garante que o território é bem utilizado e ordenado, que as casas não caem, que existem jardins e parques infantis, que as pessoas tenham onde parar os carros, que não se deite abaixo o património edificado ou se atente contra ele (na medida do possível), que não existam discotecas por baixo das casas onde dormem os meus concidadãos, que os restaurantes cumpram as regras de segurança e higiene, que os edifícios possuam acessibilidades para deficientes e pessoas de mobilidade reduzida… enfim, que as cidades sejam cada vez mais construídas (e mantidas) a pensar nas pessoas e para as pessoas. Somos nós, os funcionários públicos, que defendemos o interesse de todos face aos interesses individuais, naturalmente egoístas.

É pois perfeitamente natural que me ache no mais absoluto e egoistico desânimo! Trabalho tanto ou mais que um colega jurista no privado, ganho a fortuna de €1200 mensais após 18 anos de carreira sempre com classificações muito acima da média, mas, nunca me queixei porque achava que tinha algum mérito trabalhar para salvaguardar o interesse público e defender os nobres interesses da sociedade no seu conjunto.

Encontro-me, assim, mais desanimada do que nunca! Não sei desde quando o funcionário público passou de ter uma posição bem considerada na sociedade para ser vilipendiado como a pior escumalha que há ao cimo da terra. Não sei quando começámos a ser invejados, ultrajados e apelidados de preguiçosos e oportunistas por todos aqueles que se socorrem do nosso trabalho e exigem que a lei seja cumprida e que façamos o nosso papel, ou seja, que asseguremos que os interesses de alguns não se sobreponham aos interesses de todos. Não sei desde quando passamos a ser lixo e dignos de extermínio pelos nossos concidadãos cujos interesses passamos os nossos dias a defender. Não sei quando é que os políticos começaram a atirar sobre nós e a sermos o seu alvo mais fácil para manipularem a opinião pública contra nós, e, assim, conseguirem continuar a alimentar o estado-dinossauro que não somos nós mas a cambada de corruptos, esses sim oportunistas e subsidio-dependentes que vivem à sombra da bananeira que é o nosso estado-banana e dos seus privilégios que existem graças ao nosso trabalho. Enquanto o alvo está virado para os funcionários públicos honestos e cumpridores que ganham hoje, relativamente, menos do que há 10 anos atrás, são deixados em paz os filhotes do estado-banana, boys for de Job e empresas aninhadas como ovinhos de dinossauro à espera que o estado-papá e os governos tais galinhas-poedeiras os alimentem e procriem.

Não admira que este desânimo que eu sinto esteja a alastrar! Retiram-nos 20% da nossa remuneração anual bruta, acabam-nos com as férias que já não tínhamos (não tenho férias à cerca de 6 anos porque tenho de pagar IMI, outros impostos, seguros, livros e material escolar a preços absurdos, mudar as lentes dos óculos dos entes ceguetas próximos à vez e levar a família ao dentista pelo menos uma vez por ano, entre outros luxos completamente supérfluos do mesmo género), e também o Natal (que deixei de dar prendas há muito tempo para passar a dar lembranças da loja dos chineses, mas, era no Natal que levava o carro à revisão, a família a fazer um check up completo à saúde e comprava bacalhau de posta larga e um peru camponês, conseguindo, assim, fazer uma ceia com a família, e deixar o frango de aviário, as massas e as pizzas em paz pelo menos por uma semana).

Vou, assim, de desânimo em desânimo… após mais de 30 anos a trabalhar, dos quais mais de metade no serviço público, roubaram-me o Natal. Quero desesperadamente ir trabalhar para um daqueles países em que os funcionários públicos também só ganham 12 meses por ano, mas, vejam só, o descaramento, o oportunismo, o privilégio de ganharem por mês mais cinco vezes do que eu! Com €5000 por mês até poderia ter Natal todos os meses…

Penso, assim, desanimada o que seria dos meus concidadãos que tão depressa se colocam ao lado do governo para nos classificarem como lixo, no rating da opinião popular, o que seria de todos, se por acaso, nós funcionários públicos decidíssemos, unilateralmente, sem possibilidade de negociação, reduzir em 20% o nosso trabalho? Menos 20% de consultas, sentenças, decisões, segurança, limpeza parcial das ruas e edifícios, 20% menos de licenças e autorizações… 20% menos de fiscalização, 20% mais de criminosos à solta… 20% menos de segurança alimentar, 20% menos de professores agredidos (eis uma vantagem) por menos 20% de aulas não dadas … então, possivelmente seria necessário contratar empresas privadas para fazerem o nosso trabalho, pagas a peso de ouro pelo bolso dos contribuintes.

Por isso se um dia for assaltado do lado dos 20% da rua sem policiamento, se 20% da casa que comprou lhe cair em cima, se calhou nos 20% das consultas adiadas, se 20% da matéria na escola não for dada ao seu filho, se o parque infantil onde passeava com o seu filho é agora 20% parque de estacionamento e 20% lixeira a céu aberto, se derrubarem 20% de um monumento para construírem um condomínio, se vir assim, 20% da qualidade de vida na sua cidade diminuída, talvez compreenda, finalmente, porque ando eu e os restantes mangas de alpaca tão desanimados.

Assinado: Trabalhadora em funções públicas há 18 anos e alguns meses a quem roubaram o Natal sem pré-aviso.

2 comments:

  1. Olá,
    Leio o seu blogue há algum tempo e acho que nunca comentei, embora aprecie bastante o seu trabalho aqui. Hoje, no entanto, tenho que lhe deixar uma palavra de solidariedade, pois embora não seja funcionária pública, também trabalho desde os 18 anos, pagando sempre mais e mais impostos, vendo o retorno desses impostos (ou seja, beneficios sociais, educação, etc.) serem reduzidos de ano para ano. O que este governo está a fazer para mim é roubo a céu aberto. No meu entender só teria legitimidade de pedir mais sacrificios a quem trabalha honestamente se em primeiro lugar acabasse com a "corja" de sanguessugas que vive à custa do nosso dinheiro. O estado deste país entristece-me, e na minha opinião os culpados saiem impunes, enquanto os trabalhadores honestos (a generalidade dos funcionários públicos também incluída) pagam.

    Um abraço,

    Tany

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  2. Muito obrigada, Tany! Não é meu costume utilizar o blog para desabafos pessoais mas estou tão cheia que se não falar rebento :-)
    Um abraço
    Paula

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