Inevitavelmente, face ao bombardeamento mediático que o caso
Sócrates está a ter, vejo-me também na contingência de dizer alguma coisa sobre
o assunto. Não é fácil passar ao lado do zururu que pulula nos media, na
internet e nas redes sociais desde há uns dias a esta parte sobre o ex-1º
ministro. Ter necessidade de expressar uma opinião é, pois, humano.
Em primeiro lugar devo desde já afirmar que não estou aqui
em defesa do José Sócrates, nem sequer gosto dele como pessoa e também acho que
ele fez muito mal ao país durante o tempo que mal nos governou. Ele e a maior
parte dos políticos que o antecederam e o precederam porque a culpa nunca morre
solteira. Mas, estou aqui a expressar aquilo que penso sobre a detenção de um
cidadão num país que se diz democrático, com a desejável separação de poderes
judicial e politico e em que é desejável que os tribunais julguem e a
comunicação social informe. Mas, nada disso está a acontecer aqui e agora em
Portugal.
Que eu saiba nem sequer está marcado o julgamento de José
Sócrates quanto mais dada a sentença, só agora a instrução do caso começou com
a acusação e a decisão quanto às medidas preventivas. Todavia, para a opinião
pública já deu o seu veredicto de culpado, altamente influenciada pelo circo
mediático que desde a detenção no aeroporto até à porta do Campus de Justiça
não tem cessado de dar o mau exemplo do que a Comunicação Social não pode ser
num país democrático.
O povo é uma massa disforme que tem a consistência de
gelatina, treme e escorrega para onde tendem as mãos dos chamados “fazedores de
opinião pública” que movem a taça ora para a direita ora para a esquerda, ora
para baixo, ora para cima. Os intuitos por que movem a taça só Eles sabem, ao
povo não interessa para que lado a mão faz tombar a taça de gelatina. O povo é
uma massa acrítica e irracional, como bezerros vão pelo estreito caminho por
onde segue a manada. O povo é sedento de sangue e drama, facilmente manipulável
depressa se distraí dos seus verdadeiros problemas com cenas chocantes da vida
dos outros. É por isso que aqueles que hoje são heróis com um milhão de amigos
no Facebook, rapidamente são empurrados do pedestal e lançados aos leões que na
Era moderna são a Comunicação Social e as redes sociais. Quanto aos amigos?
Quais amigos?
José Sócrates é antes de mais um cidadão. Um simples cidadão
como os outros dez milhões e uns trocos deste país que teve cravos em vez de
armas e revolução. Aos cidadãos deste país dá-se o direito de defesa, da
presunção da inocência até serem julgados e a sentença transitado em julgado.
Aos cidadãos de Portugal reconhece-se o direito à privacidade, o direito a
protegerem os filhos e os pais dos ataques ferozes de uma massa acrítica e
manipulável que como barro é moldada a certezas de coisa nenhuma.
Este é um país de D. Sebastiões, de mártires e de corruptos
que às vezes se revelam uma e a mesma pessoa. Mas, antes de mais este é um país
onde os cidadãos gozam da proteção da justiça e dos direitos a julgamentos
isentos e justos. Alguém acha que há algum juiz por melhor que seja que consiga
ser isento e justo depois do que já se disse sobre o cidadão Sócrates?
Já todos esquecemos que milhares de pessoas neste país não
vão poder ter bacalhau na ceia de Natal, crianças sem brinquedos no sapatinho e
mulheres que todos os dias enfrentam a chuva ácida da privação e da violência,
velhos sem um sítio decente para morrerem e homens a quem lhes é negado os mais
básicos direitos humanos. Não não é na India, nem no Bangladesh, nem na Etiópia…
é na sua rua, no seu emprego, com os seus vizinhos, familiares e amigos que
vivem um empobrecimento em silêncio envergonhado. Hoje só o destino de José
Sócrates interessa aos milhões de portugueses que já condenaram o homem e
aniquilaram a vida de um cidadão.
Porquê José Sócrates aqui e agora? Porque não os criminosos
do BPN? Porque não os criminosos dos submarinos que não submergem? Porque não
os outros que levaram a nação ao estado de emergência refém das troikas
ditatoriais e invasoras? Foi só José Sócrates ou simplesmente este deixou de
ter as costas quentes. E os amigos? Quais amigos?
Condena-se um cidadão na praça pública, faz-se um
linchamento verbal na comunicação social e internet, todos são juízes em causa
alheia, nomeiam-se os carrascos e enforca-se mentalmente o homem, sem que antes
se lhes dê qualquer oportunidade, coloca-se o acusado frente às feras no
Coliseu das redes sociais, blogs e demais estratosfera dos cobardes anónimos
sem causas. E depois? Um dia haverá julgamento.. um dia, mas, alguém se irá
importar com a sentença?
E se José Sócrates fosse seu irmão, marido, pai, amigo?
E se José Sócrates tivesse sido tratado como um cidadão
anónimo deste país?
E se José Sócrates fosse tudo e nada do que se diz?
E se houvesse uma teoria da conspiração? E se fosse verdade
tudo o que consta da acusação? E se ele tivesse mesmo roubado, corrompido,
enganado e vilipendiado? E se ele não tivesse sido mais que um mau governante
com péssimas decisões? E se…?
Para José Sócrates apanhado neste lamentável circo não há
mais “ses” e o carrasco desta vez não é ele! Se tenho pena? Não. Se tenho vergonha
do meu país? Sim. Se tenho receio da Comunicação Social deste meu país? Muito. Se
acho perigoso Sócrates tornar-se um mártire da desta pseudo-democracia? Sim.
Sim. Sim.
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