Tuesday, November 25, 2014

TINHA QUE DIZER ALGUMA COISA...


Inevitavelmente, face ao bombardeamento mediático que o caso Sócrates está a ter, vejo-me também na contingência de dizer alguma coisa sobre o assunto. Não é fácil passar ao lado do zururu que pulula nos media, na internet e nas redes sociais desde há uns dias a esta parte sobre o ex-1º ministro. Ter necessidade de expressar uma opinião é, pois, humano.

Em primeiro lugar devo desde já afirmar que não estou aqui em defesa do José Sócrates, nem sequer gosto dele como pessoa e também acho que ele fez muito mal ao país durante o tempo que mal nos governou. Ele e a maior parte dos políticos que o antecederam e o precederam porque a culpa nunca morre solteira. Mas, estou aqui a expressar aquilo que penso sobre a detenção de um cidadão num país que se diz democrático, com a desejável separação de poderes judicial e politico e em que é desejável que os tribunais julguem e a comunicação social informe. Mas, nada disso está a acontecer aqui e agora em Portugal.

Que eu saiba nem sequer está marcado o julgamento de José Sócrates quanto mais dada a sentença, só agora a instrução do caso começou com a acusação e a decisão quanto às medidas preventivas. Todavia, para a opinião pública já deu o seu veredicto de culpado, altamente influenciada pelo circo mediático que desde a detenção no aeroporto até à porta do Campus de Justiça não tem cessado de dar o mau exemplo do que a Comunicação Social não pode ser num país democrático.

O povo é uma massa disforme que tem a consistência de gelatina, treme e escorrega para onde tendem as mãos dos chamados “fazedores de opinião pública” que movem a taça ora para a direita ora para a esquerda, ora para baixo, ora para cima. Os intuitos por que movem a taça só Eles sabem, ao povo não interessa para que lado a mão faz tombar a taça de gelatina. O povo é uma massa acrítica e irracional, como bezerros vão pelo estreito caminho por onde segue a manada. O povo é sedento de sangue e drama, facilmente manipulável depressa se distraí dos seus verdadeiros problemas com cenas chocantes da vida dos outros. É por isso que aqueles que hoje são heróis com um milhão de amigos no Facebook, rapidamente são empurrados do pedestal e lançados aos leões que na Era moderna são a Comunicação Social e as redes sociais. Quanto aos amigos? Quais amigos?

José Sócrates é antes de mais um cidadão. Um simples cidadão como os outros dez milhões e uns trocos deste país que teve cravos em vez de armas e revolução. Aos cidadãos deste país dá-se o direito de defesa, da presunção da inocência até serem julgados e a sentença transitado em julgado. Aos cidadãos de Portugal reconhece-se o direito à privacidade, o direito a protegerem os filhos e os pais dos ataques ferozes de uma massa acrítica e manipulável que como barro é moldada a certezas de coisa nenhuma.

Este é um país de D. Sebastiões, de mártires e de corruptos que às vezes se revelam uma e a mesma pessoa. Mas, antes de mais este é um país onde os cidadãos gozam da proteção da justiça e dos direitos a julgamentos isentos e justos. Alguém acha que há algum juiz por melhor que seja que consiga ser isento e justo depois do que já se disse sobre o cidadão Sócrates?

Já todos esquecemos que milhares de pessoas neste país não vão poder ter bacalhau na ceia de Natal, crianças sem brinquedos no sapatinho e mulheres que todos os dias enfrentam a chuva ácida da privação e da violência, velhos sem um sítio decente para morrerem e homens a quem lhes é negado os mais básicos direitos humanos. Não não é na India, nem no Bangladesh, nem na Etiópia… é na sua rua, no seu emprego, com os seus vizinhos, familiares e amigos que vivem um empobrecimento em silêncio envergonhado. Hoje só o destino de José Sócrates interessa aos milhões de portugueses que já condenaram o homem e aniquilaram a vida de um cidadão.

Porquê José Sócrates aqui e agora? Porque não os criminosos do BPN? Porque não os criminosos dos submarinos que não submergem? Porque não os outros que levaram a nação ao estado de emergência refém das troikas ditatoriais e invasoras? Foi só José Sócrates ou simplesmente este deixou de ter as costas quentes. E os amigos? Quais amigos?

Condena-se um cidadão na praça pública, faz-se um linchamento verbal na comunicação social e internet, todos são juízes em causa alheia, nomeiam-se os carrascos e enforca-se mentalmente o homem, sem que antes se lhes dê qualquer oportunidade, coloca-se o acusado frente às feras no Coliseu das redes sociais, blogs e demais estratosfera dos cobardes anónimos sem causas. E depois? Um dia haverá julgamento.. um dia, mas, alguém se irá importar com a sentença?

E se José Sócrates fosse seu irmão, marido, pai, amigo?

E se José Sócrates tivesse sido tratado como um cidadão anónimo deste país?

E se José Sócrates fosse tudo e nada do que se diz?

E se houvesse uma teoria da conspiração? E se fosse verdade tudo o que consta da acusação? E se ele tivesse mesmo roubado, corrompido, enganado e vilipendiado? E se ele não tivesse sido mais que um mau governante com péssimas decisões? E se…?

Para José Sócrates apanhado neste lamentável circo não há mais “ses” e o carrasco desta vez não é ele! Se tenho pena? Não. Se tenho vergonha do meu país? Sim. Se tenho receio da Comunicação Social deste meu país? Muito. Se acho perigoso Sócrates tornar-se um mártire da desta pseudo-democracia? Sim. Sim. Sim.   

 

        

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